O MENINO JESUS NUMA ESTÓRIA AOS
QUADRADINHOS
Rimance para coro infanto-juvenil e piano
a partir do poema Hino de Amor de João de Deus (1830-1896)
ALFREDO TEIXEIRA
Obra vencedora do III
Prémio Internacional de Composição Fernando Lopes Graça
O poema de João de
Deus transcreve o maravilhoso cristão numa cena bucólica do quotidiano do Deus
Menino.
À frugalidade descritiva da infância de Jesus nos Evangelhos canónicos cristãos,
respondeu o imaginário popular com a efabulação miniatural da história sagrada.
João de Deus recolhe, neste poema, toda essa plasticidade. O compositor leu este
documento poético como se de uma banda desenhada se tratasse (a «estória aos
quadradinhos»), a que associou a memória fílmica das animações clássicas de
Walt Disney. Permanece na criação musical algo dessa sucessão segmentada, por
vezes alucinante, onde o ritmo mais histriónico e a expressão mais
contemplativa se justapõem, se sobrepõem e se penetram. «Rimance» apela, aqui,
à forma histórica dos tradicionais pequenos contos épicos, de forma poética,
mas também à assonância que ficcionalmente aproxima o vocábulo da semântica do
riso – não se trata, no entanto, de um humor trocista, mas de um humor
encantado. Criando a oportunidade de
uma homenagem pessoal, a obra encontra-se enquadrada, no seu introito e epílogo,
por uma referência modificada à II
Cantata de Natal de Fernando Lopes Graça. As suas cantatas de Natal
constituem uma das leituras musicais mais penetrantes desse maravilhoso
cristão, vertido na mística de um Natal ao sul - português, ibérico e
mediterrânico.
Alfredo Teixeira
Hino de amor
Andava um dia
Em pequenino
Nos arredores
De Nazaré,
Em companhia
De São José,
O bom Jesus,
O Deus Menino.
Eis senão quando
Vê num silvado
Andar piando
Arrepiado
E esvoaçando
Um rouxinol,
Que uma serpente
De olhar de luz
Resplandecente
Como a do Sol,
E penetrante
Como diamante,
Tinha atraído,
Tinha encantado.
Jesus, doído
Do desgraçado
Do passarinho,
Sai do caminho,
Corre apressado,
Quebra o encanto,
Foge a serpente,
E de repente
O pobrezinho,
Salvo e contente,
Rompe num canto
Tão requebrado,
Ou antes pranto
Tão soluçado,
Tão repassado
De gratidão,
De uma alegria,
Uma expansão,
Uma veemência,
Uma expressão,
Uma cadência,
Que comovia
O coração!
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Jesus caminha
No seu passeio,
E a avezinha
Continuando
No seu gorjeio
Enquanto o via;
De vez em quando
Lá lhe passava
À dianteira
E mal poisava,
Não afroixava
Nem repetia,
Que redobrava
De melodia!
Assim foi indo
E foi seguindo.
De tal maneira,
Que noite e dia
Numa palmeira,
Que havia perto
Donde morava
Nosso Senhor
Em pequenino
(Era já certo)
Ela lá estava
A pobre ave
Cantando o hino
Terno e suave
Do seu amor
Ao Salvador.
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João de Deus - Campo de flores.
4ª ed. da compilação de Theophilo Braga. Paris - Lisboa: Liv. Ailland e
Bertrand, 1914 [exemplar consultável na Biblioteca Nacional de Portugal].
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