Urmas Sisask é um compositor estoniano, nascido em 1960. Diplomou-se no conservatório de Tallinn, em 1985, sob a orientação do compositor René Eespere. Na sua música, encontramos tanto de personalizável como de partilhável com os diversos patrimónios da música báltica. No centro dessa herança estão as figuras estonianas de Tormis e Pärt. Mas abundam os rastos da mais perene memória europeia: o canto monódico da liturgia romana, as arquiteturas das primitivas polifonias, as danças da renascença e do protobarroco, os madrigais italianos, o reformismo musical de Palestrina, entre outros. Nesta perspetiva, podemos dizer que a música de Sisask é tradicional, já que os processos composicionais que usa apelam permanentemente à releitura de uma herança recebida. O contraponto e a modalidade descrevem o habitat da sua inventividade. O ato de criação musical não apela à urgência do novo, à pretensão da criação autoral absolutamente singular. O seu ato poético-musical está mais perto da experiência em que o próprio criador se sente gerado. Os arcaísmos que encontramos no seu idioma são vestígios desta atitude estética.
Este compositor estoniano é, também, um astrónomo amador. Esse interesse, a partir das observações astronómicas, levou-o à construção de especulações acerca do som e das órbitas dos planetas. Qual Keppler, em pleno século XX, construiu um sistema interpretativo que correlaciona as trajetórias dos planetas Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Úrano, Neptuno e Plutão com aquilo que chamou de «escala planetária». Essa escala permitiu-lhe a construção de um modo organizado com cinco alturas: Dó sustenido, Ré, Fá sustenido, Sol sustenido e Lá. Posteriormente, descobriu que essa estrutura coincidia com um dos modos básicos da música japonesa, o kumayoshi. Sisask vive em Jäneda. Realiza conferências e concertos no Musical Planetarium, que ele próprio instalou na torre de um antigo solar.
A coleção de obras para coro, sobre textos litúrgicos, intitulada Gloria Patri… 24 hymns for mixed choir, completada em 1988, é um dos exemplos acabados do uso desta estrutura modal. Trata-se de uma coleção – não é, propriamente, um ciclo – onde se visitam alguns dos mais conhecidos textos litúrgicos latinos: Alleluia é uma fuga, Deo gratias é uma «passacaglia», Agnus Dei é um cânone à oitava, Benedicamus aproxima-se da policoralidade veneziana, Confitemini é uma dança da renascença, Pater noster apela à memória do canto gregoriano, e o Ave Maria desenha-se num júbilo melismático.
Escrevo este texto no silêncio de Sábado Santo, segundo o calendário litúrgico romano. Proponho, assim, um tríptico, dentro deste conjunto coligido por Sisask, que começa com a evocação da memória eucarística, O salutaris hostia, passa pela evocação do silêncio orante convocado por Oremus (obra sem palavras), e prolonga-se num canto de vigília, Surrexit Christus, expressão solene da fé cristã na vitória da vida sobre a morte.
Alfredo Teixeira
O salutaris hostia
Oremus
Surrexit Christus