No dia 12
de Novembro de 2012 ocorre o segundo aniversário do falecimento do compositor
polaco Henryk Mikołaj Górecki. Só conheceu uma ampla divulgação na Europa
ocidental, e nos EUA, quando se começaram a divulgar as gravações da 3ª
Sinfonia – talvez a sua obra mais celebrada. Os conhecedores das vanguardas
polacas sabiam da importância da sua música, mas, para o grande público, apenas
os nomes de Lutosławski e Penderecki tinham ultrapassado as fronteiras da
Polónia. Para este desconhecimento contribuíram os fatores de isolamento cultural
favorecido pelas políticas de sovietização e o seu próprio temperamento, pouco
dado a viagens para fora da sua cidade de residência, Katowice, no sul da
Polónia.
O estrondoso sucesso da sua 3ª Sinfonia, evocando a memória
do «holocausto», na 2ª Guerra Mundial, despertou os públicos para as obras de
um período anterior, marcado pelos recursos idiomáticos da música contemporânea
pós-serial. Mas a 3ª Sinfonia pertencia já a um período de criação que tomava
corpo num vocabulário que revalorizava quer diferentes itinerários tradicionais
na música polaca, quer as arquiteturas musicais próprias da liturgia católica
romana – mesmo se na vizinhança da criação musical ortodoxa, particularmente
ativa na tradição monástica. Deste período, faz parte, assim, uma afirmação
esteticamente mais explícita da ritualidade litúrgica católico-romana.
É necessário não perder de vista que, durante o período de sovietização da
Polónia, o catolicismo foi uma bolsa de resistência ativa e um dos principais substratos
culturais que permitiram o transporte da memória da identidade polaca. A
eleição, em 1978, de Karol Józef Wojtyła, o papa João Paulo II, para a cátedra
romana, fortaleceu um certo messianismo polaco, favorecendo a conceção de que a
nação polaca tinha um papel específico na reconstrução, entre o Atlântico e os
Urais, de uma nova consciência europeia firmada na memória cristã. O papa João
Paulo II transportava no seu próprio corpo todos os grandes dramas do século XX
europeu. Nisso, não se distinguia, da própria história contemporânea da
Polónia.
Este contexto é muito importante para perceber a obra que selecionei para este apontamento, Totus tuus (1987). Esta obra coral foi escrita para celebrar a terceira visita do papa polaco ao seu país natal, revisitando um fragmento da espiritualidade mariana polaca, que o próprio João Paulo II tinha tomado para lema do seu pontificado: Totus tuus sum, Maria («Sou todo teu, Maria, mãe do nosso Redentor, virgem de Deus, virgem santa, mãe do salvador do mundo»). A obra retoma uma linguagem coral já antes explorada em Euntes ibant et flebant (1972), Amen (1975), Beatus vir (1979) – uma encomenda do próprio cardeal Karol Wojtyła –, Miserere (1981), entre outras. Trata-se uma linguagem que alguns críticos aproximaram da chamada «nova simplicidade» que se descobria nos compositores que saíam do desconhecimento ditado pelos muros políticos que separavam o Leste e Oeste europeus. Totus tuus desenvolve-se a partir da dicção lenta, reiterativa e extática da palavra orante, em tríades harmónicas que recusam qualquer ornamentação. Numa homofonia rigorosa, transparente e vertical, a obra apresenta-se, no seu hieratismo, como uma expressão mística de fé, que toma corpo na irredutibilidade própria da linguagem musical.
Este contexto é muito importante para perceber a obra que selecionei para este apontamento, Totus tuus (1987). Esta obra coral foi escrita para celebrar a terceira visita do papa polaco ao seu país natal, revisitando um fragmento da espiritualidade mariana polaca, que o próprio João Paulo II tinha tomado para lema do seu pontificado: Totus tuus sum, Maria («Sou todo teu, Maria, mãe do nosso Redentor, virgem de Deus, virgem santa, mãe do salvador do mundo»). A obra retoma uma linguagem coral já antes explorada em Euntes ibant et flebant (1972), Amen (1975), Beatus vir (1979) – uma encomenda do próprio cardeal Karol Wojtyła –, Miserere (1981), entre outras. Trata-se uma linguagem que alguns críticos aproximaram da chamada «nova simplicidade» que se descobria nos compositores que saíam do desconhecimento ditado pelos muros políticos que separavam o Leste e Oeste europeus. Totus tuus desenvolve-se a partir da dicção lenta, reiterativa e extática da palavra orante, em tríades harmónicas que recusam qualquer ornamentação. Numa homofonia rigorosa, transparente e vertical, a obra apresenta-se, no seu hieratismo, como uma expressão mística de fé, que toma corpo na irredutibilidade própria da linguagem musical.
Alfredo Teixeira
Totus tuus (1987)
Sinfonia nº 3